terça-feira, 16 de junho de 2009

TJ paulista autoriza aborto de fetos com má formação

Fonte: Consultor Jurídico

O Tribunal de Justiça de São Paulo autorizou a interrupção da gravidez de uma enfermeira de 31 anos. A mulher está com mais de seis meses de gestação de gêmeos xipófagos, unidos pelo abdômen e bacia. A perícia médica constatou que os fetos têm anomalias graves e que não há chances de sobrevida para eles fora da barriga da mãe. A decisão, por maioria de votos, é da 3ª Câmara Criminal.

O julgamento envolveu caso que é conhecido pela doutrina e jurisprudência como aborto eugênico (quando o feto é portador de anomalia grave e sem cura), figura jurídica que não encontra previsão legal. O Código Penal só permite aborto em duas situações: quando não há outro meio para salvar a vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro.

Em primeira instância, o juiz Gioia Perini, da 2ª Vara Criminal de Mogi das Cruzes (SP), indeferiu o pedido da gestante. O magistrado argumentou que o aborto eugênico não encontra amparo legal. “Tão somente o fato de evitar-se sofrimento físico e psicológico da mãe e dos familiares não serve como fundamento para a autorização [do aborto]”, sustentou o juiz.

Insatisfeita, a grávida pediu Mandado de Segurança ao Tribunal de Justiça alegando que direito líquido e certo para fazer o aborto com autorização judicial. Disse que o juiz estava errado nos fundamentos que embasaram a decisão, negando o alvará e que o ato do magistrado foi ilegal.

Os advogados da gestante sustentaram ainda que interrupção da gravidez é medida de urgência porque a continuidade da gestação coloca em risco a vida da gestante, além de ser inviável a concepção dos fetos. A defesa esclareceu que o relatório médico dava conta de que além de unidos pelas paredes abdominais e pélvicas, os fetos só tinham um fígado e num deles não havia formação dos membros inferiores.

O relator, desembargador Luiz Pantaleão, votou contra a concessão de alvará para o aborto. Ele entendeu que o Judiciário não pode contrariar a garantia constitucional do direito à vida, autorizando a morte dos gêmeos pelo aborto. “Considerando-se que existe garantia constitucional à inviolabilidade da vida em qualquer dos seus estágios, a interrupção da gravidez diante da malformação dos fetos é juridicamente impossível”, argumentou Pantaleão.

O desembargador também demoliu o argumento da defesa de que a interrupção da gravidez era uma medida de urgência para acabar com o risco de vida da gestante. Segundo Pantaleão, nesse caso não basta a existência de risco, mas é preciso comprovação do efetivo perigo de vida e que o aborto é o único meio para salvar a mulher.

O desembargador Amado de Faria abriu divergência. Para ele, diante da grave deformidade dos fetos, como do potencial perigo que corre a gestante, outra conduta não poderia ter a Justiça que não fosse mandar interromper a gravidez, pondo fim ao sofrimento da gestante. O entendimento foi seguido pelo terceiro juiz, o desembargador Geraldo Wohlers.

A maioria da turma julgadora entendeu que o juiz não pode ficar preso à letra fria da lei. Para o grupo vencedor, o apego a formalidades não resolve um problema angustiante e relevante como aquele que estava colocado em julgamento.

Jurisprudência
O aborto eugênico, por não ter previsão legal, ainda encontra resistência entre juízes e desembargadores. A doutrina e a jurisprudência oscilam em aceitar ou não a interrupção da gravidez nesses casos. Parte da jurisprudência entende que esse tipo de aborto tem por fundamento o interesse social na qualidade de vida e é independente de todo ser humano. Segundo essa tese, não importa o interesse em garantir a existência da vida em quaisquer circunstâncias. Ainda que sem expressa previsão legal, a interrupção da gravidez por má formação congênita do feto tem sido admitida pelo Judiciário paulista por meio de Mandado de Segurança.

Na primeira instância paulista, o pioneiro nesse entendimento foi o então juiz Geraldo Pinheiro Franco, hoje desembargador da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. “Impossível a sobrevida do feto, deve ser autorizado o aborto”, sentenciou Pinheiro Franco, em 1993, quando atuava como juiz do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo).

O juiz Francisco Galvão Bruno, hoje desembargador da 9ª Câmara Criminal, seguiu a mesma trilha autorizando a interrupção de gravidez num caso de Síndrome de Edwards. A mesma posição foi tomada pela juíza Maria Cristina Cotrofe, quando titular da 2ª Vara do Tribunal do Júri da Capital.

“Não há nenhuma possibilidade de tratamento intra ou extra-uterino nos casos de trissomia do cromossomo 18 ou Síndrome de Edwards”, afirmou Galvão Bruno, quando era juiz em primeira instância. “E a sobrevida, se houver, além de vegetativa não ultrapassará semanas”, completou.

O TJ paulista também tem precedente como a decisão capitaneada pelo desembargador Ribeiro dos Santos que autorizou o aborto de um feto com Síndorme de Edwards, ou a que foi determinada pelo desembargador David Haddad. Este mandou o Hospital das Clínicas da USP a fazer o aborto de um feto com falta de cérebro e olhos.

O desafio no caso de gravidez de fetos com má formação já foi bateu às portas do Supremo, que deve julgar ação sobre aborto de fetos anencéfalos.

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