A imprensa divulgou no final de fevereiro que a cantora Mallu Magalhães recebeu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 778 mil via lei Rouanet, para fazer a turnê do seu segundo CD. Segundo o que saiu na imprensa, a artista teria recorrido ao MinC porque os shows “terão ingressos a preços populares”. Apesar de ter sido revelada pela internet e ter gravado seu primeiro CD num selo independente, Mallu Magalhães hoje é artista da Sony Music. E muito se perguntou na internet: ela realmente precisaria dessa força do governo?
Não é novidade ter polêmicas sobre o uso da lei Rouanet por artistas famosos que, em tese, têm público garantido e não precisariam de incentivo fiscal para produzir seus projetos.
Recentemente, por exemplo, a revista Bravo reproduziu uma entrevista com a cantora Maria Bethânia dizendo – quando questionada sobre as críticas que sofreu por recorrer à lei Rouanet para custear alguns de seus espetáculos – que “a lei deve acolher gregos e troianos”: “O ministério avaliza os projetos e cada artista sai à caça de patrocinador, como manda o figurino. Qual é o drama? Por que tanta chateação?”, disse a cantora, na entrevista. Bethânia e seu irmão famoso, por exemplos, tiveram recentemente projetos inicialmente indeferidos pela CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) – órgão do governo federal que avalia e aprova os projetos que podem captar.
Alguns críticos desavisados não concordam com a cantora. Alegam que artistas famosos não precisam de incentivo à cultura para produzir seus espetáculos.
É um erro.
A lei tem de ser igual perante todos – e a lei Rouanet não pode julgar méritos. Portanto, projeto de cantores famosos também tem de ser aprovados pelo governo.
Em primeiro lugar, é sempre bom lembrar que cantores de música popular – como Mallu Magalhães, Bethânia e Caetano – enquadram-se somente no artigo 26 da lei Rouanet. E assim não têm o benefício dos 100%, que, no caso de música, só se aplica à música erudita e instrumental. Música popular cantada tem somente 30% de incentivo fiscal.
Ou seja, uma parte do recurso investido pela empresa em projetos assim não será incentivada.
Além disso, há outros expedientes que o Governo pode adotar para estabelecer critérios justos, sem precisar negar o incentivo a esses artistas.
A CNIC pode, por exemplo, limitar valores de captação para artistas famosos. Aliás, existe uma regra na lei Rouanet que diz que um cachê não pode ser superior a 30 mil reais.
O governo também pode, nesses casos, limitar, por exemplo, o preço do ingresso. Pode determinar que uma porcentagem de ingressos tenha destinação gratuita para públicos específicos – como, aliás, prometeu a cantora Mallu Magalhães.
Em suma, artistas famosos como Bethânia e outros podem, sim senhor, se beneficiar do incentivo à cultura. Mas com critérios.
O problema é que num passado recente houve distorções.
Já teve cantor de música popular, por exemplo, que conseguiu aprovar seu projeto no artigo 18, obtendo assim 100% de incentivo, o que seria impossível, pois música popular cantada não pode ser enquadrada nesse artigo.
Como se conseguiu isso? Num “malabarismo” de enquadrar o projeto, que, na verdade, era de um show de música popular cantada, como “Gravação de DVD” ou “Apresentação com uma orquestra”, podendo assim se enquadrar em “Produção Audiovisual” ou “Música Erudita” e obter os 100%.
Felizmente, já houve uma boa reação do governo para corrigir essas distorções, e hoje todo projeto direcionado como audiovisual para a lei Rouanet tem seu conteúdo avaliado para se certificar de que é realmente um projeto de audiovisual e não outra coisa travestida.
Mas não se pode cometer injustiças.
Outro fato notório que ficou polêmico foi a primeira turnê do Cirque du Soleil no Brasil, pois os ingressos eram muito caros. E aí o Ministério da Cultura vetou o incentivo para a segunda edição – assim como vetou o incentivo ao musical da Broadway Miss Saigon.
Talvez tenha sido uma injustiça fruto da ideologia. É de se pensar que a produção de espetáculo assim é caríssima. Manter uma trupe de um show assim é caríssimo.
“Sem patrocínio, amargaríamos prejuízo caso quiséssemos manter o alto nível dos shows. E, sem a lei, não conseguiríamos patrocínio nenhum”, justificou Maria Bethânia na entrevista à Bravo.
Deveria haver, então, bom senso e observância à lei.
Aprovar tais projetos sim, pois só quem já produziu cultura no Brasil sabe o quanto isso é caro e o quanto é difícil, como explicou Bethânia, bancar toda uma produção apenas com o ingresso.
Se a lei pode ajudar, ela deve ser concedida também aos famosos, mas com critérios, já que eles, os famosos, têm certas vantagens inegáveis frente à grande maioria dos artistas anônimos que, esses sim, precisam dos 100% de incentivo.
Esses critérios seriam: limite de valores – tanto do projeto quanto do ingresso – e exigências de contrapartidas sociais: ingressos mais baratos, espetáculos exclusivos para públicos de baixa renda etc.
Em resumo, uma lei que nasceu para apoiar a produção cultural não pode exercer discriminação justamente contra quem produz cultura. Mas deve sempre prevalecer o bom senso.
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